Tangerinos Rastros de Boi Caminhos da Saudade
Por Miguel Teles
O RETRATISTA
O sertão, já nos alertou o mestre Guimarães Rosa, está dentro de nós. Sentimento
entranhado na alma, profundo, por vezes aflorando no brilho dos olhos ou no escutar
emocionado de um aboio tristonho e dolente.
O sertão também é exílio, saudade atiçada na carta que chega, carta de mãe, com
beijo de vó, abraço de pai e barulho do riacho que fica valente a cada trovoada. O sertão
também é gosto. De umbu, de murici, de bode com farinha de água temperada com tomate,
coentro e cebola. Do maracujá do mato que dá sono, amolece e faz sonhar. Sonho bom de
não acordar, com chuva no telhado, com o frio danado a nos encolher sonolentos,
preguiçosos, enquanto o dia vai se anunciando no canto pontualíssimo do galo de campina.
E cheiro? Certamente que o sertão é puro olor. Do alecrim do campo “que nasceu dourado
sem ser semeado”. Do manjericão tão doce, tão intenso que inebria. Da manga, da pinha, do
araticum. Cheiro e gosto. Porque o sertão também é mulher. Cabocla. Meio índia. Cabelo
escorrido e olho sonso. Sestro e intuição. Oferta e negaceio. Porque o sertão é isso também:
luta e conquista.
A fotografia de Miguel Teles, são imagens da nossa utopia, digo nossa porque juntos
imaginamos o Projeto Aboio, pusemos nele todo nosso amor pelo sertão, por sua gente, por
essa história brasileiríssima, diria mesmo inaugural de nossa terra. Aqui estão os vaqueiros,
íntegros há tantos séculos. Miguel os viu entre as paredes seculares do Castelo de Garcia D’
Ávila, no taciturno semblante de Chico dos Olhos D´Água, no sorrido tímido de Valmor,
quase menino, em que pese a caligrafia do tempo escrita no rosto. Outras faces, quero dizer,
fisionomias, também não escaparam do olhar densamente sertanejo do moço de Pedrão.
Alguns reconheço, outros anônimos, que importa? São todos catingueiros. Homens de fé.
Sim, porque o sertão, nunca é demais lembrar, é procissão e santo no oratório, é promessa
feita e paga com honradez, a cada graça alcançada. Podemos dizer então, sem o risco do
sacrilégio, que essas fotos são quase ex-votos. De certa forma, acreditem, o artista está
pagando uma dívida, ou melhor, uma dádiva.
Finalmente, meu caro visitante, uma última palavra. Entre aqui com a poesia no
coração, com os olhos em festa, pois assim você perceberá que Miguel Teles nos deu de
presente o mundo que molda sua alma. Seu tempo e sua história.
MANOEL NETO